A linha de computadores Macintosh, da então Apple Computer Inc., marcou a década de 80 com a introdução de um ambiente computacional predominantemente intuitivo e amigável aos leigos. O Mac OS, sistema operacional dessas máquinas, possuía a primeira interface gráfica, ou GUI (do inglês, Graphical User Interface), da história; uma interface na qual as complexas linhas de comando (escritas) foram substituídas por representações gráficas e iconográficas que, quando acionadas, realizavam as mesmas ações que estes comandos. Este foi, indubitavelmente, um rompimento na dita era da informação; o período “pós-janelas”, na nomenclatura de Steven Johnson, modificou não só a dinâmica da própria ciência da informação, mas alterou (ou expandiu, se preferir) as possibilidades de interação desta com todas as outras áreas do conhecimento.
As interfaces gráficas, logo adotadas pela maioria dos sistemas operacionais presentes no mercado, se baseiam na tradução de conceitos abstratos em linguagem visual e inteligível – na capacidade de comunicar idéias através de construções imagéticas, formas geométricas, cores, tipografias, diagramação. Era assim na época e é assim hoje; as interfaces gráficas que conhecemos hoje ainda são as mesmas que surgiram nos anos 80, só que, é claro, com melhorias estéticas que só o tempo pôde prover. Foi com as interfaces gráficas que o escopo da comunicação (visual) tocou (e estabeleceu uma eterna parceria com) a informática – e, por mais que muitas empresas de tecnologia de informação (TI) não reconheçam isso, este ponto de intersecção constitui um grande diferencial do produto computacional.
Na versão X do Mac OS, a Apple mostrou que reconhece muito bem a importância da comunicação como componente fundamental de um sistema operacional. O sucessor da versão 9 teve sua GUI completamente re-elaborada com foco na produtividade – um fator muito polêmico, desde o surgimento das interfaces gráficas, muitas vezes ofuscado pelo caráter deslumbrante (e redundante) do ambiente visual. Há aqueles, como Sven Birkets, que defendem que as janelas são mais uma manifestação da síndrome do déficit de atenção (SDA) do que um avanço na execução paralela de tarefas; há correntes conservadoras da informática que consideram o ambiente visual como pura firula. Não compartilho do tamanho radicalismo dessa perspectiva, mas admito que há certa razão nessas colocações.
O primo objetivo de uma GUI não seria simplificar e otimizar as experiências do usuário com o ambiente computacional? Muitos sistemas e aplicativos possuem interfaces não se caracterizam como ambientes voltados para a idéia de produtividade: têm uma infinidade de menus, submenus, painéis configuráveis, botões ocultos, barras de rolagem... Na humilde visão deste servo, uma GUI deve simplificar ao máximo os processos comunicacionais da percepção visual. Ela não deve comportar elementos que não estejam concatenados com a idéia da produtividade; tudo deve confluir de forma harmoniosa em direção desta – que é o objetivo primário do software.
É exatamente essa visão roots que a Aqua, interface gráfica do Mac OS X, se propõe a recuperar em seus elementos: o que precisa ser comunicado (ou indicado) ao usuário?
A identificação e o estudo da essência de cada componente da GUI foi o diferencial do Aqua em relação às dos outros sistemas operacionais, como o Windows ME, lançado na mesma época. A partir dessa síntese semântica (a identificação do que precisa ser comunicado) ocorreu então a reconfiguração – ou tradução – posterior desses componentes em representações gráficas e iconográficas mais óbvias, precisas e intuitivas (a identificação de como comunicar). Emergiu-se então do universo técnico-computacional para um sistema maior: o sistema simbólico. O ser humano, e todo o fruto de sua técnica, está inserido num contexto ativo e, principalmente, coletivo: não se pode simplesmente ignorar o plano sígnico, maior que o físico, que orienta todas as suas experiências e formas de percepção. Desta maneira, foram identificados elementos culturais (comuns à humanidade, ou à maior parte dela) que não só representavam o que precisava ser indicado, mas que já o fizessem em seus níveis mais primários de interpretação – elementos que já contivessem toda a carga semântica social desejada de forma intrínseca. Um bom exemplo da nova configuração desses elementos foram os botões “fechar”, “minimizar” e “restaurar”, presentes nas barras de título das janelas. Diferente das versões anteriores do sistema, eles foram remanejados para o lado esquerdo da tela – segundo estudos de psicologia e design, lugar no qual a percepção visual é iniciada –, ganharam formas arredondadas e foram coloridos, respectivamente, em vermelho, amarelo e verde. A simples analogia entre o processo de execução de um aplicativo e o sistema de trânsito, já consolidado no imaginário humano, torna a manipulação da interface muito mais intuitiva, por mais que este manipulador seja leigo em termos de computação.
”The only problem with Microsoft is they (...) don't bring much culture into their product”, disse Steve Jobs, presidente da Apple Inc., em 1996. Mas é bom atentar que esta não é uma característica exclusiva da Microsoft. Este pequeno artigo é apenas uma provocação quanto ao processo de padronização que as interfaces gráficas vêm sofrendo. Convencionou-se, por exemplo, que X significa saída, ou parada, quando já existiam muitos outros elementos sinônimos à idéia. As analogias, metáforas e, principalmente, as transposições são recorrentes quando se trata de novos meios de interação, mas não afirmo aqui que todos os elementos de uma GUI devem remeter apenas a signos culturais – acreditem: essa, definitivamente, não é minha intenção.
O que proponho é um pouco de reflexão sobre a linguagem das interfaces gráficas. Por mais artística que ela seja, é uma linguagem única, própria aos meios digitais, subserviente à suas utilidades específicas e, mais que tudo, uma linguagem nova – vinte e três anos, para uma área do conhecimento, é praticamente nada. Inúmeros designers hoje dedicam seus esforços unicamente ao desenvolvimento e à consolidação dessa linguagem, Mark Hamburg é um dos maiores exemplos do fato. O dito “guru da Adobe”, que trabalha na empresa desde a versão 2.0 do Photoshop, ou seja, desde 1990, rompeu com o padrão tradicional de interface de aplicativos de manipulação gráfica (principalmente dos produtos da própria empresa) com uma interface sem muitos menus e submenus infindáveis colocando tudo que o usuário precisa na tela – a fim de potencializar sua produtividade simplificando o fluxo de trabalho. Recentemente Hamburg foi contratado pela Microsoft para trazer novos conceitos à interface do Windows. Pena que não contrataram alguém para reprogramá-lo a partir de uma tela vazia também.
A síndrome do déficit de atenção e as interfaces gráficas
Publicado às 3:33 PM Marcadores: Apple, Design, Ensaios, Mac OS
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1 comentários:
Realmente, os botoes na esquerda facilitariam muito! :)
Muito bom Ian! :)
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